O campo magnético da Terra está se comportando de maneira imprevista – e intrigando cientistas
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11 janeiro 2019
Uma movimentação com características inesperadas no magnetismo da Terra está intrigando cientistas do mundo todo e fazendo com que os modelos existentes de descrição do campo magnético precisem ser atualizados.
Por causa de seu núcleo feito de metal líquido, a Terra funciona como um enorme ímã com pólos positivo e negativo. O campo magnético é a uma “camada” de forças ao redor do planeta entre esses dois pólos.
Conhecida como magnetosfera, essa grande camada é extremamente importante para a vida terrestre.
“É o campo magnético que nos protege das partículas que vêm de fora, especialmente do vento solar (que pode ser muito nocivo)”, explica o geólogo Ricardo Ferreira Trindade, pesquisador do Instituto de Astronomia e Geofísica da Universidade de São Paulo (USP).
A maior parte do campo magnético é gerada pela movimentação dos metais líquidos que compõem o centro do planeta. Conforme o fluxo varia, o campo se modifica.
A questão, segundo Trindade, é que nos últimos dez anos ele tem “variado numa velocidade muito maior do que variava antigamente”.
O pólo norte muda magnético constantemente de posição, mas sempre dentro de um limite. Embora a direção dessas mudanças seja imprevisível, a velocidade costumava ser constante.
No entanto, nos últimos anos o norte magnético está se movendo do Canadá para a Sibéria em uma velocidade muito maior do que a projetada pelos cientistas.
Modelo de campo
A mudança está forçando os especialistas em geomagnetismo a atualizarem o Modelo Magnético Mundial, espécie de mapa que descreve o campo magnético no espaço e no tempo.
“Ele é criado a partir de um conjunto de observações feitas no mundo inteiro ao longo de 5 anos, a partir dos quais se monta um modelo global que muda no tempo e no espaço, mostrando a variabilidade do campo”, explica Trindade. “É uma espécie de mapa 4D.”
O modelo é importante porque é a base para centenas de tecnologias de navegação modernas – dos controles de rotas de navios ao Google Maps.
“Ele é fundamental para geolocalização e até para o posicionamento de satélites”, afirma o geólogo.
A versão mais recente do modelo foi feita em 2015 e deveria durar até 2020, mas a velocidade com o que a magnetosfera tem mudado está forçando os cientistas a atualizarem o modelo antes do previsto.
Além da mudança do pólo, um pulso eletromagnético detectado sob a América do Sul em 2016 gerou uma mudança logo após a atualização do modelo em 2015.
As muitas mudanças imprevistas têm aumentando o número de erros no modelo atual o tempo todo.
Segundo a Nature, pesquisadores do Noaa (centro de administração oceânica e atmosférica), nos EUA, e do Centro de Pesquisa Geológica Britânica perceberam que o modelo estava tão defasado que estava quase excedendo o limite aceitável – e prestes a gerar possíveis erros de navegação.
A nova atualização deverá sair dia 30 de janeiro de 2019, segundo a Nature, uma das revistas científicas mais prestigiadas do mundo.
Segurança espacial
O modelo é essencial também para a segurança espacial.
Como distribuição do campo não é homogênea, onde ele é mais fraco, a proteção que oferece é menor – isso faz que com que essas regiões, principalmente a altíssimas altitudes, sejam um pouco mais vulneráveis a ventos solares.
“Temos regiões onde ele é maior e outras onde o campo magnético muito baixo. Aqui (na América do Sul) temos uma anomalia grande que faz o campo magnético ser de baixa intensidade”, explica Ernesto.
“Equipamentos atmosféricos, satélites e telescópios, principalmente, têm maior probabilidade de sofrerem danos se estiverem sobre essas regiões”, explica.
As causas
Os cientistas estão trabalhando para entender por que o campo magnético está se modificando com tanta velocidade.
“O campo é todo variável e muito imprevisível”, afirma a geóloga Marcia Ernesto, também pesquisadora do Instituto de Astronomia e Geofísica da Universidade de São Paulo (USP).
A movimentação do pólo norte pode estar ligada um jato de ferro líquido se mexendo sob a superfície da crosta terrestre na região sob o Canadá, segundo um estudo de pesquisadores da Universidade de Leeds publicado na Nature Geoscience em 2017.
Segundo Philip W. Livermore, um dos autores do estudo, esse jato poderia estar enfraquecendo o campo magnético no Canadá, enquanto o da Sibéria se mantém forte, o que estaria “puxando” o norte magnético em direção à Rússia.
O campo é tão variável que o pólo norte e o pólo sul magnéticos já se inverteram muitas vezes desde a formação do planeta.
A sua atual configuração é a mesma há 700 mil anos, mas pode começar a se inverter a qualquer momento. Segundo Ernesto, essa inversão demoraria cerca de mil anos.
“Pode ser que (a aceleração nas mudanças no campo) signifique que ele está caminhando para uma inversão, mas não é certeza. Pode ser que seja apenas uma aceleração momentânea”, diz Márcia Ernesto.