CENÁRIOS DO LÍTIO NO BRASIL

CENÁRIOS DO LÍTIO NO BRASIL

As novas mineradoras de lítio no Brasil (Sigma e AMG) irão incrementar de forma significativa a produção desse bem mineral, tornando o país também exportador. Sabe-se que a AMG, situada em Nazareno (MG), pretende, em uma primeira etapa, produzir cerca de 90 mil toneladas/ano de concentrado (5 a 6%) de lítio. E, numa segunda, 180 mil toneladas por ano. Após essas duas etapas, planeja um polo minero-químico para agregar valor ao seu produto. Cabe destacar que essa produção será oriunda do reaproveitamento dos rejeitos da mina. A Sigma, instalada em Itinga (MG), produzirá, numa primeira etapa, 220 mil toneladas/ano de concentrado (5 a 6%) de lítio e planeja uma expansão para até 440 mil toneladas por ano. Vai explorar inicialmente o corpo de minério “Xuxa”, com reservas da ordem de 13,8 milhões de toneladas e teor médio estimado de 1,46 % de LiO2.

A CBL (Cia.Brasileira de Lítio), apesar da sua menor produção, transporta seu concentrado para a unidade de Divisa Alegre (MG), onde é transformado em carbonato e hidróxido de lítio. Apenas para reforçar, registre-se que a CBL produzia o equivalente a cerca de 10 mil toneladas anuais de concentrado de lítio. Considerando a primeira etapa da AMG e da Sigma, a produção atingirá a ordem de 16 mil toneladas de lítio (320 mil toneladas anuais de

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concentrado de lítio base 5%), posicionando o Brasil entre os cinco maiores produtores mundiais do mineral. A segunda etapa das duas empresas, quando finalizada, adicionará mais 310 mil toneladas de concentrado por ano, de forma que a produção total do Brasil tem potencial para alcançar a marca total de 630 mil toneladas anuais de concentrado de lítio (veja ativos atuais em MG no Quadro 01).

É importante assinalar que foram anunciados diversos projetos para o lítio nos últimos anos (desde a etapa de pesquisa mineral a estudos de viabilidade econômica). O cenário atual convive com queda nas cotações do lítio, o que aumenta o risco dos projetos e dificulta a captação de recursos.

Cita-se, a seguir, alguns projetos já revelados pelas empresas:

Emerita: em 2018 adquiriu ativos da Falcon, com emissão de 500 mil ações ordinárias para a cedente;

Latin Resources: anunciou, em 2019, a avaliação de três projetos -Salinas, Seletas e Outro Lado (todos em MG);

Brazil Minerals (BMIX): avalia o projeto Pasadena em Salinas (MG);

Elektro Lithium, criada pela World Mineral Resources (WMR), do geólogo João Carlos Cavalcanti: em 2019 anunciou que avalia projetos de lítio no Vale do Jequitinhonha (MG);

Cougar, no Ceará, tem algumas áreas na região de Solonópole (CE); e

Libra Ligas em uma concessão de lavra no mesmo município.

Registre-se que, a partir do início de 2018, houve crescimento também pela procura de áreas de lítio no Nordeste, principalmente nos estados do Rio Grande do Norte, Paraíba, Pernambuco e Bahia. O estudo produzido pelo Serviço Geológico do Brasil (CPRM), em 2017, apontou áreas potenciais para a descoberta de novos depósitos de lítio no país, principalmente na região do Vale do rio Jequitinhonha, no nordeste do estado de Minas Gerais. Ao todo, o trabalho mapeou 45 ocorrências, sendo 20 inéditas. O resultado desse trabalho mostra um salto em nossas reservas, de 0.5% para 8% em relação às reservas mundiais.

Figura 01 – Ativos de lítio em Minas Gerais

Consolidação das baterias

Os aparelhos eletrônicos, em sua maioria, usam baterias de íons de lítio. Esse modelo começou a ser utilizado em 1991 pela Sony e se tornou padrão na indústria, impulsionando o consumo de lítio no mundo. As baterias de íon lítio representam o ‘estado da arte’ em sistemas de conversão de energia. As vantagens dessa tecnologia são a maior densidade de energia (Wh/g) e o baixo peso. Essa combinação é excelente para a utilização

em dispositivos portáteis. Destaca-se a falta de padronização no tamanho das baterias para carros EV e PHEV e o custo para se posicionar como um produto de massa e não um produto de nicho.

No entanto, tem havido grande número de programas de incentivo dos governos em nível mundial para avançar no desenvolvimento, produção e utilização de carros elétricos e híbridos, além da diminuição das emissões de carbono. Dessa forma, possivelmente o lítio inserir-se-á em uma das mudanças da matriz energética mundial, cuja dimensão ainda é incerta, haja vista que a substituição do petróleo como principal recurso estratégico ainda não está evidente e perdurará no médio prazo.

Num cenário otimista, o carro elétrico passaria a ocupar o centro do palco, gerando impacto ambiental positivo e ajudando a reduzir a poluição por meio da compensação das emissões de carbono que precipitam a mudança climática. Além disso, poderia oferecer uma resposta ao aumento da frota mundial de automóveis e representar um caminho totalmente alternativo para o sistema energético global. O resultado terá um impacto enorme tanto em termos de economia, quanto de geopolítica. Na figura abaixo, estão listados o consumo de carbonato de lítio (LCE) por tipo de aparelho.

A falta de infraestrutura, o preço e o tempo de recarga ainda são entraves para os carros elétricos. De acordo com dados da OICA, entidade internacional que reúne as fabricantes de veículos em todo o mundo, no ano passado foram vendidos 91,3 milhões de veículos (incluindo caminhões e ônibus). Estima-se que, em 2030, entre 30% e 40% dos veículos vendidos por ano no mundo serão elétricos. Ou seja, há muito espaço para crescer.

Geopolítica do Lítio

A descarbonização da economia global face à crise climática e à nova onda de evolução tecnológica com inteligência artificial (IA), digitalização e redes 5G, alimentam a corrida para garantir acesso ininterrupto a minerais críticos. Países industriais tradicionais (Estados Unidos, União Europeia e Japão) enfrentam a China e seus cinturões bem como, seus parceiros globais. Dado que minerais críticos são encontrados em áreas geográficas com substancial concentração, geralmente em estados frágeis, a corrida para garantir esses minerais e atender às cadeias de suprimentos da mina ao mercado está criando pontos críticos, agravando as rivalidades geopolíticas.

Os EUA, UE e o Japão e suas empresas econômicas globais tradicionais não são mais os motores exclusivos da economia global e da transformação. Eles enfrentam crescente concorrência de potências emergentes, principalmente a República Popular da China (RPC), que prossegue em sua agressiva política de investimentos na África, América do Sul e Austrália, a fim de garantir posição dominante nas indústrias ao longo das cadeias produtivas e controle da cadeia de suprimentos, com pesados investimentos em aquisição de mineradoras e compras de bens minerais para refino. O governo chinês começou a impulsionar o desenvolvimento de carros elétricos para contribuir com a eliminação da poluição do ar, reduzir as importações de petróleo e desenvolver a fabricação de alta tecnologia.

A oferta da China de se tornar o balcão único para o mundo em desenvolvimento representa uma ameaça aos EUA, UE e Japão, que no mundo pós-guerra dominaram a indústria, instituições de comércio, tecnologia, defesa e empresas internacionais com o desenvolvimento elaborado de estratégias, normas e sistemas de governança. Governos, indústria e estudiosos procuram soluções práticas (investimento estatal em exploração, reciclagem, substituição, diversificação das cadeias de suprimentos, respostas legislativas, redação de listas de materiais críticos, inovação, barreiras alfandegárias, taxações) para reagir a esses movimentos da China. A escalada da influência chinesa sobre minerais críticos significa que se poderia limitar artificialmente a oferta e elevar os preços no comércio global de energia limpa, da mesma maneira que a OPEP fez com o petróleo.

Nos EUA, os senadores republicanos liderados por Lisa Murkowski introduziram a legislação bipartidária para garantir recursos minerais e cadeias de suprimento, reduzindo a dependência de fontes estrangeiras. A nova legislação – o American Minerals Security Act – listou lítio, grafite, cobalto e níquel como “minerais críticos” para a indústria automobilística e de energia. “A segurança mineral da nossa nação é um desafio significativo, urgente e muitas vezes ignorado. Nossa dependência da China e de outras nações por minerais críticos nos custa empregos, enfraquece nossa competitividade econômica e nos deixa em desvantagem geopolítica”, disse Murkowski na reunião inaugural da Benchmark Minerals Summit, realizada Washington DC.

Entre o fim dos anos 1950 e o meio dos anos 1980, os EUA foram o principal produtor global de lítio.  Durante quase um quarto de século, os EUA acumularam um estoque de 42 mil toneladas de hidróxido de lítio a partir da produção nos estados de Nevada e Carolina do Norte. Os Estados Unidos foram responsáveis por suprir 80% da demanda global por lítio em 1976 e mantiveram esse domínio até 1984, quando um dos maiores depósitos do planeta foi descoberto no Chile e, posteriormente, em 1997, na Argentina.

A China controla a maior parte da fabricação que transforma o mineral em baterias recarregáveis, deixando os fabricantes de veículos americanos vulneráveis a interrupções no fornecimento se as tensões comerciais entre os dois países aumentarem. Com as montadoras Tesla e a General Motors focando a fabricação de mais carros elétricos nos EUA, as empresas estão tentando implantar as primeiras minas de lítio no país em décadas, como objetivo de formar uma cadeia de suprimentos local. Uma solução dos EUA é explorar as argilas com lítio e já existem cerca de cinco projetos em fase de análise de viabilidade.

No caso do lítio, as reservas estão altamente concentradas na América do Sul (Argentina, Bolívia e Chile, formando o “triângulo de lítio”). Logo abaixo deles, temos a Austrália (atualmente maior produtor mundial e fornecedor para a China) e a China. Até 2025, o mercado de matéria-prima de lítio extraído pode chegar a US$ 20 bilhões, comparado a US$ 43 bilhões para produtos refinados e US$ 424 bilhões para células de bateria, segundo cenário descrito em estudo de 2018, publicado pela Associação de Mineração da Austrália e empresas de exploração. Até 2030, o fornecimento de baterias de íons de lítio precisará aumentar em mais de 10 vezes, prevê a Bloomberg, com os veículos elétricos respondendo por mais de 70% dessa demanda.

O Chile está gerando novo impulso no investimento em tecnologia de baterias em troca do acesso a seus depósitos de lítio, despertando o interesse da China, Japão e Europa, garantindo fontes de suprimento e viabilizando a mudança para veículos elétricos. À medida em que procura avançar na cadeia de valor, o Chile oferece suprimento garantido de lítio com desconto em troca do compromisso de construir usinas de peças para baterias no país. O desafio é garantir que essa produção local seja competitiva e sustentável.

Por outro lado, a CBMM (Cia.Brasileira de Mineração e Metalurgia) tem uma estratégia agressiva para o nióbio, investindo anualmente entre R$ 150 milhões e R$ 200 milhões em pesquisa e desenvolvimento, com destinação de R$ 40 milhões anuais ao programa de baterias e aquisição de 26% de uma “startup” em Cingapura (2DM), que pesquisa essa área (por US$ 2,5 milhões). Também tem acordos com a Toshiba, onde possui uma planta- piloto no Japão que já produz células de baterias.

Neste ano, estão previstos testes para produção em escala da bateria com placa (células) com óxidos de nióbio e de titânio e todos esses desafios tecnológicos terão de ser vencidos ao longo dos anos. Há ainda acordos com as montadoras Suzuki e Nissan, onde essas baterias poderiam ser usadas comercialmente a partir de 2023, garantindo vendas anuais de mais alguns milhares de toneladas de nióbio para a CBMM, aumentando continuamente o tamanho desse mercado. A solidificação do uso desse tipo de bateria altera profundamente o aspecto geopolítico, reduzindo as vulnerabilidades de diversos países acima citados.

Graças à sua diversidade mineral, o Brasil tem vocação para os minerais de bateria (lítio, nióbio, grafite, manganês, níquel, cobalto, cobre e alumínio) e precisa consolidar essa vantagem. Com o início da produção dos projetos da Sigma e da AMG, o Brasil se insere no rol dos países produtores de lítio, considerado um mineral crítico e estratégico. Esse crescimento abre o leque para atrair parcerias enovas estratégias para maximizar benefícios como a implementação de um programa de PD&I para capacitação acadêmica e desenvolvimento de centros de pesquisa ao longoda cadeia produtiva dolítio, além defomentar novas tecnologias de baterias de lítio.

Outra estratégia é atrair fabricantes mundiais de baterias e viabilizar transferência de tecnologia, instalação e suporte de plantas industriais para produção e evolução das células no Brasil. A mineração de lítio é mais uma oportunidade para fortalecer a estrutura tecnológica e de engenharia mineral e integrar o país às cadeias produtivas globais. Na economia de energia limpa do futuro, os minerais críticos serão tão essenciais – e geopolíticos – quanto o petróleo foi a partir da década de 70.

Fonte: In the Mine/ADIMB

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