UM “CAUSO” DE GEÓLOGO E SEUS PEÕES (Álvaro Rodrigues dos Santos)
Corria o ano de 1970. Geólogo novo no IPT – Instituto de Pesquisas Tecnológicas, integrei equipe que realizava os estudos para a então futura Rodovia dos Imigrantes, em plena e selvagem Serra do Mar. Como não era raro, para terminar por completo um programa de sondagens resolvi esticar para 30 dias a permanência isolada de meu grupo ao meio da grande floresta ombrófila densa da Serra. Floresta que, padecendo do desconhecimento e desatenção dos paulistas, nunca ficou nada a dever à badalada Floresta Amazônica. O trabalho na Serra era fisicamente esgotante e, pelas dificuldades de acesso aos locais a serem pesquisados, não havia como adotar sistema de folgas semanais. Os turnos eram normalmente de quinze dias ou mais.
O trabalho consistia no mapeamento geológico-geotécnico de faixa ao longo do traçado do futuro Ramal Mongaguá, da Rodovia dos Imigrantes, que em boa parte de sua extensão corria pelas vertentes do Rio Branco.
O que era mais comum, na ida, era descermos em alguma estação da Estrada de Ferro Sorocabana em seu trecho de serra, entrarmos no mato e chegarmos a uma das vertentes do vale do Rio Branco, que corria para sul, encaixado na mesma Falha de Cubatão que recebe o Rio Cubatão, esse correndo para o norte.. Nossos pontos de apoio eram acampamentos que abríamos em plena floresta, e ficavam sendo nossa moradia pelo tempo que por lá ficássemos.
Estavam comigo nesse episódio dois técnicos de nível médio, Eder e Pedrão, e 15 peões, escolhidos e contratados no distrito de Ana Dias, município de Itariri, ali no litoral sul paulista.
Bem, aí pelo 25º dia os níveis de testosterona da peãozada estavam no limite, pelo que me pressionaram a promover uma ida à cidade de Mongaguá, onde cada um poderia resolver seu problema. Como a voz do povo é a voz de Deus, concordei, e então organizamos a longa viagem. Descemos do Acampamento 4, no meio da serra, e dormimos de sexta para sábado no Acampamento 5, que ficava no sopé da serra, a cerca de 12Km da pista de asfalto da Estrada Pedro Taques (nessa região a escarpa da serra se distancia do litoral). Do A5 até a pista era um viagem sobre uma desarrumada estradinha de ferro de meio metro de bitola, uma decauville, instalada na região para esgotar as safras de banana nanica. A viagem era feita sobre truques simples (um tablado de madeira sobre rodas de ferro) movimentados por empurrão com uma vara de pau. E lá fomos nós. Quase 3 horas de viagem.
Chegamos na pista e adentramos, como em passeata, a cidade de Mongaguá. Soube que no único cinema existente estava passando um filme de sacanagem, pelo que convidei a peãozada para já de início curtirmos esse programa, convite que colocou todos em estado de superior agitação. Fomos para lá, o filme se chamava Quando duas mulheres pecam, ou algo assim. Tirei as entradas e todos mergulharam no escuro da seção, já em andamento. Não demorou muitos minutos para começar uma leve resmungação da peãozada. Resmungação que logo passou a uma revolta geral e em seguida a gritos, socos nas cadeiras e batidas de pé no chão. Eu queria me enterrar debaixo das cadeiras. Bem, o filme era uma obra de arte em branco em preto, dessas pesadas e herméticas, nada de sacanagem, nada de mulheres fazendo striptease ou coisas do gênero. As luzes se acenderam, vieram os lanterninhas, o dono do cinema, um alvoroço danado. Ainda bem que o dono do cinema foi de uma sinceridade inimaginável, pediu desculpas a todos, pois pensava que estivesse alugando um filme de sacanagem e o anunciara como tal, mas agora que percebera que era um filme de arte “noir”, de um diretor sueco famoso, um tal de Ingmar Bergman.
Bem, ao menos sem mortos e feridos, saímos todos do cinema, o pessoal se dividiu em pequenos grupos e foram todos procurar zonas e moças reais que lhes recuperassem um pouco dos libidinosos sonhos frustrados. Na manhã do dia seguinte iniciamos a viagem de volta. Todos esgotados, mas nem por isso as mentiras sobre grandes casos e trepadas da véspera deixaram de arrancar gostosas gargalhadas. Sobre o grande filme de sacanagem que proporcionei ao pessoal, bem, pra dizer o menos, durou anos a gozação que tive que aguentar. Essa o grande Bergman me deve.