OURO
O Ministério Público Federal (MPF) iniciou processo na Justiça Federal de Itaituba (PA) para pedir a suspensão de todas as permissões para extração, comércio e exportação de ouro na região sudoeste do Pará, que abrange os municípios de Itaituba, Jacareacanga e Novo Progresso. Segundo estudo inédito feito por pesquisadores da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) em cooperação com o MPF, nos últimos dois anos os três municípios concentraram 85,7% das ocorrências de esquentamento de ouro no Brasil, prática em que o minério extraído ilegalmente e comercializado com base em declarações fraudulentas de origem. Houve também o crescimento de invasões e violência promovida por quadrilhas de garimpeiros ilegais contra as terras indígenas dos povos Munduruku e Kayapó.
De acordo com o estudo, foram 5,4 toneladas de ouro ilegal que entraram no sistema financeiro dessa maneira nos últimos dois anos “Da produção de 30,4 toneladas de ouro do Estado do Pará, no período de 2019 a 2020, ao menos 17,7 toneladas (58,4%) foram extraídas com falsa indicação de origem, seja pelas evidências de extrapolação dos limites autorizados para a lavra pela Agência Nacional de Mineração (ANM), seja pela indicação de áreas de floresta virgem como origem do ouro. Esta última modalidade de fraude, aqui denominada de esquentamento chapado, viabilizou a introdução em circulação de 5,4 toneladas de ouro de origem ilegal (quase 18% do total produzido pelo Estado do Pará) apenas nos municípios de Itaituba, Jacareacanga e Novo Progresso, onde se situam terras indígenas dos povos Munduruku e Kayapó”, narra a ação judicial.
Além de detalhar a extensão das ilegalidades que envolvem o comércio de ouro no Brasil, o estudo da UFMG que embasa parte da ação judicial do MPF e aponta a conexão direta com a explosão do desmatamento na região amazônica. O sistema de detecção de desmatamento do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe), o Deter identificou 21 mil hectares de desmatamento para mineração em 2019 e 2020, sendo 84% dessa área localizada no estado do Pará, 7% em Mato Grosso e 6% no Amazonas.
Elaborado através de acordo de cooperação técnica entre a UFMG e o MPF, o estudo denominado “Legalidade da produção de ouro no Brasil”, desenvolveu um protocolo para identificar irregularidades na produção do metal. O estudo utilizou cruzamento de imagens de satélite, de algoritmos de classificação de uso do solo elaborados pela Agência Espacial Europeia, de dados georreferenciados do Inpe, de dados oficiais da ANM, situando espacialmente os polígonos em que incidentes requerimentos de pesquisa e de títulos minerários, e de dados da CFEM (Contribuição Financeira por Exploração Mineral), registrando as quantidades de ouro introduzidas no mercado nacional, a identidade dos respectivos compradores e os títulos de lavra que embasariam a extração do minério.
A análise identificou no biênio 2019/2020 a comercialização de 174 toneladas de ouro em território nacional, das quais 69% originaram-se de concessões de lavras e 28% de permissões de lavra garimpeira. Desse total, ao menos 49 toneladas de ouro provieram de áreas com evidências de alguma forma de irregularidade. “Ao adquirirem ouro ilegal, de modo intencional ou não, DTVMs, pessoas físicas e empresas comerciais não autorizadas pelo Bacen a negociar com ouro terminam por retroalimentar a criminalidade mediante o financiamento de novas invasões de terras, aliciamento de indígenas, aquisição de maquinário de garimpo, aeronaves, combustíveis e até mesmo a contratação de milicianos armados, profissionais liberais e de lobistas para atuar no meio político em prol da liberação de mais áreas para a atividade”, narra a ação do MPF.
“Além de amplamente noticiada, a atividade garimpeira vem provocando a contaminação dos indígenas por mercúrio em níveis alarmantes, bem superiores aos valores de segurança fixados pela Organização Mundial da Saúde, e comprometendo sua segurança alimentar e nutricional”, diz o MPF, que também informou à Justiça investigar diversas denúncias de exploração sexual de mulheres e crianças e de tráfico de armas e de drogas, associados à atividade garimpeira. O MPF afirma ainda o fortalecimento do crime organizado no território Munduruku. Nos últimos meses, a região de Jacareacanga (PA), onde se concentra a maior parte do povo indígena Munduruku, tem sido palco de conflitos cada vez mais violentos. “O fato de a União (por meio da FAB), por outro lado, conduzir mineradores ilegais e pessoas denunciadas por crimes para reuniões em Brasília, mas, ao mesmo tempo, se omitir e tolerar que indígenas contrários ao garimpo ilegal tivessem suas casas incendiadas e fossem impedidos de se locomover, às suas próprias expensas, para se manifestar na capital da República, para além de um simbolismo muito grande, revela uma plêiade de atos administrativos anti-isonômicos que coloca em proeminência os interesses de grupos econômicos em detrimento dos direitos existenciais dos povos indígenas, notadamente o povo Munduruku”, sustenta a ação do MPF.
Fonte: Brasil Mineral