A NOVA FRONTEIRA MINERAL DO BRASIL
A exploração das províncias de Alta Floresta e Tapajós no setor sul do Cráton Amazônico abre uma
grande perspectiva para a atividade de mineração no Brasil, com a possibilidade de se identificar depósitos
do tipo pórfiro e epitermal de classe mundial, de acordo com o diretor-executivo da ADIMB (Agência para o
Desenvolvimento Tecnológico da Indústria Mineral Brasileira), Roberto Xavier. Segundo ele, a geologia
brasileira conseguiu um grande avanço ao concluir que as rochas graníticas e vulcânicas dessas províncias se
formaram em ambiente de arcos magmáticos continentais muito semelhante às rochas plutônicas e
vulcânicas que se formaram nos Andes, com a diferença de que são muito mais antigas (Pré-cambriano/
Paleoproterozóico – 2.0 a 1.75 bilhões de anos) do que as rochas da cordilheira andina (Mesozóico –
Cenozóico – 200 a 5 milhões de anos).
“Hoje, a ideia que se tem, a partir dos estudos da Academia, é que há uma variedade muito ampla
de depósitos de metais em Tapajós e Alta Floresta. Ou seja, há depósitos de cobre, molibdênio e ouro,
depósitos de ouro com cobre associado e molibdênio e prata, e depósitos de ouro com chumbo, zinco e
cobre”, afirma Xavier, acrescentando que essas províncias, de onde já se retirou muito ouro, de forma
rudimentar, não podem mais ser vistas apenas como províncias auríferas e sim polimetálicas. No caso de
Alta Floresta, com uma extensão de 500 km entre os estados de Mato Grosso e Pará, há um imenso potencial
a ser explorado.
Na entrevista a seguir o diretor da ADIMB, que também é professor titular em Geologia Econômica
da UNICAMP, dá mais detalhes sobre essa área que está sendo considerada uma das novas fronteiras mineral
do Brasil.
BRASIL MINERAL – Quais são as características dos principais ambientes geológicos que indicam o
potencial mineral do Brasil?
Roberto Xavier – A primeira consideração a se fazer é que o Brasil possui dimensões continentais, ocupando
75% da plataforma sul-americana. Em termos geológicos, o território brasileiro é dominado por crátons e
cinturões orogênicos, que são parcialmente recobertos por grandes bacias sedimentares (Fig. 1). Crátons
são zonas antigas e com idades acima de 1.1bilhão de anos. Existem dois grandes crátons no País, que são o
Cráton Amazônico e o Cráton São Francisco, embora haja outros pequenos fragmentos de cráton, como o
São Luís (no Norte) e os Luís Alves e Rio da Plata (no Sul). Esses crátons são envolvidos por cinturões
orogênicos, denominados de províncias tectônicas, bem mais jovens que os crátons, com idades variando
entre 900 e 520 milhões de anos.
A grande maioria dos distritos ou províncias geológicas com potencial para ocorrência de depósitos
minerais de metais ferrosos e não ferrosos de importância econômica encontram se situadas em áreas
cratônicas ou nos cinturões orogenéticos.
Se lançarmos as ocorrências potenciais nos crátons e cinturões orogenéticos, o mapa do Brasil se
tornará dominado por pontos coloridos. Mas se for feito um filtro e se lançar apenas zonas que são
produtivas, ou seja, onde há minas em especial de alumínio, cobre, estanho, ferro, manganês, nióbio, níquel
e ouro, com uma produção bruta maior do que 1 milhão de toneladas, o mapa passa por uma limpeza muito
grande, mostrando que a maior concentração de depósitos em termos de produção encontram-se no
Quadrilátero Ferrífero e Carajás (Fig. 2). Isso é muito pouco para um país de dimensão continental e com
ambientes geológicos diversos, o que significa que ainda há um imenso potencial em domínios cratônicos e
cinturões orogenéticos para a descoberta de depósitos que podem se tornar minas importantes no País.
Dentre essas áreas de grande potencial atualmente, as províncias denominadas de Alta Floresta e
Tapajós, que se situam no sul do Cráton Amazônico, têm um atrativo para exploração de depósitos minerais
bastante alto (Fig. 3).
Essas duas províncias têm um histórico muito ativo de produção essencialmente aurífera. No caso,
por exemplo, de Tapajós, que fica ao Norte da província de Alta Floresta, é uma província que até o presente
gerou algo em torno de 20 milhões de onças ou 650 toneladas de ouro, desde a década de 1990. Embora em
número menor, Alta Floresta, o período de 1990 até 2000, produziu algo em torno de 4 milhões de onças de
ouro (próximo a 120 t). Mas é bom enfatizar que grande parte dessa exploração não veio de minas
convencionais. Pelo contrário, a maior parte veio de mineração de pequena escala ou de garimpo. E até hoje
nessas áreas, do ponto de vista econômico, vários núcleos urbanos se sustentam pela atividade mineira, ou
extração do ouro por garimpo. Essa produção caiu, em função de altos e baixos no mercado, mas ainda são
regiões do País que dependem da mineração de ouro por meio de garimpo.
Do ponto de vista geológico, tanto a província de Tapajós quanto a de Alta Floresta são constituídas
essencialmente de rochas graníticas e vulcânicas associadas. No entanto, as rochas no Tapajós, as sequências
plutono-vulcânicas, são um pouco mais antigas do que as de Alta Floresta, embora o contexto geológico seja
o mesmo. No Tapajós, as sequências de rochas graníticas vulcânicas associadas são de idades que várias de
2.0 a 1.86 bilhões de anos. Ou seja, elas estão no Paleoproterozóico. Já em Alta Floresta as rochas são um
pouco mais jovens, entre 1.85 e 1.60 bilhão de anos, o que as colocam também no Paleoproterozóico.
BRASIL MINERAL – Por que o foco na província de Alta Floresta?
Roberto Xavier – Alta Floresta significa uma província com cerca de 500km de extensão e acima de 30 a 40
km de largura. Quais são as características principais dos ambientais geológicos que indicam um potencial
para depósitos minerais nesta província, assim como na de Tapajós? Toda as rochas graníticas e vulcânicas
do Paleoproterozoico nessas províncias têm uma série de características geológicas e geoquímicas que
indicam que essas rochas se formaram em um ambiente de arcos magmáticos continentais, muito
semelhantes às rochas plutônicas e vulcânicas que se formaram nos Andes. Mas obviamente as rochas dos
Andes têm idade muito mais jovem do que as de Alta Floresta e Tapajós. Nestas províncias estamos falando
de idades entre 2 bilhões de anos e 1.7/1.8 bilhões de anos, enquanto nos Andes estamos falando de idades
mais jovens que 250 milhões de anos. São dois ambientes totalmente distintos do ponto de vista temporal,
embora formados em ambientes tectônicos similares, que são os arcos magmáticos continentais. Estes arcos
se formam pela colisão de duas placas tectônicas.
O ambiente nos Andes ainda está se desenvolvendo, em função da colisão entre a placa oceânica do
Pacífico e a placa sul-americana. Nessa colisão, a placa oceânica mergulha sob a placa continental e gera
eventos magmáticos com a formação de intrusões de rochas graníticas e vulcanismos associado, por meio
dos quais se formam vários depósitos minerais de cobre, ouro, molibdênio, prata, chumbo, zinco. Ou seja,
arcos magmáticos são regiões de grande potencial para ocorrência de depósitos minerais, razão pela qual o
simples fato de Alta Floresta e Tapajós terem se formado em ambiente similares a arcos magmáticos
continentais, como os Andes, já abre uma perspectiva muito grande para formar depósitos minerais
variáveis. E não exclusivamente para ouro. Cabe lembrar que toda a cordilheira andina tem depósitos muito
importantes de cobre e ouro, do tipo pórfiro. Para se ter uma ideia, em termos de recursos mundiais de
cobre, esses depósitos do tipo pórfiro contribuem com 61% dos recursos de cobre em nível mundial e com
20% dos recursos de ouro.
Além disso, uma característica desses depósitos é que são depósitos de baixo teor, geralmente abaixo
de 1% de Cu, mas de grande porte, alguns atingindo até 1 bilhão de toneladas de minério, além de não serem
depósitos de um metal só. A partir desses depósitos de cobre também se extrai como subprodutos ouro,
molibdênio, para ficar apenas entre os principais. Assim, o fato de estar em arcos magmáticos continentais
já nos remete para essa possibilidade de formar depósitos tipo pórfiro e epitermal de cobre, ouro, prata,
chumbo, zinco, molibdênio e assim por diante.
Mas o que acontece é que a grande maioria desses depósitos nos Andes são jovens, se formaram a
partir do Mesozóico ou Cenozóico, portanto mais jovens do que 250 milhões de anos. Os depósitos do tipo
pórfiro e epitermal com idades mais antigas, como o Proterozoico e Arqueano, que fazem parte do Précambriano, são muito raros e com representatividade muito mais baixa em nível mundial. Isto talvez
explique por que, no passado, não se abriu os olhos para a ocorrência de depósitos tipo pórfiro em Alta
Floresta e Tapajós: havia a ideia de que pórfiros não ocorrem em terrenos antigos. Portanto, toda exploração
visava somente o ouro.
Os estudos que levaram à conclusão de que os depósitos de Alta Floresta e Tapajós são similares a
pórfiro e epitermal foram desenvolvidos quase que exclusivamente pela Academia. Foram trabalhos de
grupos de pesquisa que atuaram em Tapajós e Alta Floresta. E a partir desses grupos as ideias afloraram
sobre o potencial para esses depósitos. Estiveram envolvidos os institutos de Geociências da Unicamp, da
USP e da Universidade de Brasília. Esses três grupos chegaram a conclusões muito similares, ou seja, notaram
uma associação espacial e temporal das ocorrências auríferas com intrusões graníticas associadas.
Geralmente depósitos minerais desse tipo deixam ao seu redor uma marca, que se chama alteração
hidrotermal. Os tipos de alterações hidrotermais nos depósitos de Alta Floresta e Tapajós são muito similares
às alterações hidrotermais nos depósitos tipo pórfiro e epitermal. Assim como seus modos de ocorrência.
No geral, são sistemas chamados magmáticos hidrotermais. Ou seja, esses arcos magmáticos se
desenvolveram pela entrada de corpos graníticos que durante a sua cristalização geraram fluidos
(denominados de hidrotermais), que por sua vez carrearam metais e se concentraram em estruturas,
formando depósitos.
BRASIL MINERAL – Quais são os minerais para os quais a província tem maior potencial?
Roberto Xavier – Hoje, a ideia é de que há potencial para uma variedade muito ampla de depósitos de metais
em Tapajós e Alta Floresta. Ou seja, há depósitos de cobre, molibdênio e ouro, depósitos de ouro com cobre
associado e molibdênio e prata, e depósitos de ouro com chumbo, zinco e cobre. Portanto, tanto a província
de Alta Floresta quanto a de Tapajós não podem mais ser denominadas de auríferas e sim de polimetálicas,
em função da expansão do seu potencial para metais. Esses depósitos podem ocorrer tanto na forma
disseminada nas rochas como na forma de sistemas de veios.
BRASIL MINERAL – Quais foram os trabalhos de geologia já realizados e que empresas estiveram
envolvidas?
Roberto Xavier – Na história dessas duas províncias (Tapajós e Alta Floresta) a produção se deu
essencialmente por garimpo. Mas no que se refere às empresas, historicamente quem tem atuado nessas
áreas são essencialmente as junior companies ou cooperativas de garimpeiros. Muito pontualmente e mais
recentemente, a partir de 2012/2013, ocorreram algumas joint ventures entre as juniors e grandes
empresas. Mais recentemente houve uma descoberta potencialmente importante de um depósito de cobre
com todas as características do tipo cobre pórfiro, denominado de Jaca (Fig. 4), por parte de uma grande
empresa, seguindo os trabalhos de sondagem desenvolvidos por uma junior.
Essa descoberta ainda necessita de melhor avaliação, mas o fato desencadeou uma corrida muito
grande para exploração desse tipo de depósito pórfiro e epitermal, tanto em Tapajós como em Alta Floresta.
E este é o quadro atual das duas províncias, em termos de exploração. Ou seja, uma exploração muito ativa,
agora com a volta de grandes empresas. Não só a Anglo American como também Codelco e Nexa estão hoje
fazendo exploração mineral voltada para modelos pórfiro e epitermal, ou variantes desses modelos, nas
duas províncias.
BRASIL MINERAL – De que forma a exploração das duas províncias pode impulsionar o desenvolvimento
da mineração no Brasil?
Roberto Xavier – Em primeiro lugar, ocorre um avanço ao se chegar à conclusão de que essas províncias não
são monometálicas e sim polimetálicas. Segundo, houve uma quebra de paradigma porque hoje se está
explorando depósitos do tipo pórfiro e epitermais em terrenos antigos, no caso terrenos do
Paleoproterozoico, no Brasil. Isto, de certa forma, pode indicar um potencial para se encontrar depósitos de
classe mundial de cobre e ouro, além de outros metais. Note-se que atualmente 85% das reservas de cobre
no Brasil estão concentradas em outros tipos de depósitos minerais. São depósitos chamados de óxidos de
ferro, cobre e ouro (IOCG). E estão essencialmente em Carajás. Mas há depósitos do tipo pórfiro no Brasil?
Sim, no arco magmático de Goiás, na região central, que é a mina de Chapada, da Yamana. Só que ela não
está preservada, pois o depósito já está afetado por um metamorfismo e deformação, resultado de um
evento tectônico importante no Brasil de idade em torno de 600 milhões de anos, a orogenia Brasiliana (ou
Pan-Africana), que afetou todos os cinturões orogênicos que envolvem os crátons. Assim, a mina de Chapada
é um pórfiro metamorfizado.
O avanço que se dá para a mineração no Brasil é quebrar paradigmas para que novas ideias de
modelos de sistemas minerais e novos métodos de exploração venham fazer com que áreas que no passado
não teriam potencial para ocorrência de depósitos, possam se tornar áreas atrativas para investimentos na
busca por novos depósitos. Nesta linha de raciocínio existem outras províncias no Brasil que podem seguir
essa quebra de paradigmas, como a província da Borborema, no Nordeste. E aqui não estamos falando de
pórfiro nem epitermal, mas de encontrar novos tipos de depósito. Há grande potencial para isso, porém
ainda são províncias imaturas do ponto de vista da exploração mineral.
Há uma outra contrapartida em relação à exploração, que é um melhor conhecimento geológico
básico dessas áreas. E aqui há um papel importante a ser desempenhado pelo governo, através da CPRM,
que já vem dando atenção ao melhor conhecimento de diversas áreas com potencial para depósitos minerais
no País. Mas ainda é pouco. O território nacional ainda tem o mapeamento numa escala não apropriada
para exploração mineral.
O que pode ocorrer de benéfico para essas províncias é o surgimento de minas. No Tapajós já tem
mina de ouro. Na província de Alta Floresta existe uma mina pequena, que é próxima do depósito do Jaca,
da Anglo American, uma mina bem pequena, da ordem de 3 toneladas de ouro, que á a de União do Norte
e existe uma outra que possivelmente vai deslanchar, que é a mina do Paraíba, de ouro. Mas por enquanto
estamos falando só de ouro. Estamos torcendo que haja potencial para minas de outras commodities, como
cobre e metais associados.
Fonte: Brasil Mineral
Autor: Francisco Alves