AMAZÔNIA BRASILEIRA ABRIGA 453 GARIMPOS ILEGAIS, MOSTRA ESTUDO

AMAZÔNIA BRASILEIRA ABRIGA 453 GARIMPOS ILEGAIS, MOSTRA
ESTUDO
Foco da pesquisa são as atividades ilícitas desenvolvidas em unidades de conservação e
territórios indígenas

https://www1.folha.uol.com.br/ambiente/2018/12/amazonia-brasileira-abriga-453-garimpos-ilegais-mostra-estudo.shtml

O Brasil tem 453 garimpos ilegais na Amazônia, de acordo com mapa inédito apresentado
nesta segunda-feira (10) pela Raisg (Rede Amazônica de Informação Socioambiental Georreferenciada).
Em todo o bioma —que se espraia por nove países, em quase 7 milhões de km²— são mais de 2.500.
Enquanto a Venezuela, que passa por crise humanitária, lidera o ranking amazônico dessa
atividade predatória, com 1.899 garimpos clandestinos, o Brasil ocupa o primeiro posto entre os países
que mantém a atividade ilegal dentro de terras indígenas, com 18 casos entre os 37 identificados, e em
áreas de conservação.
Esse quadro pode se agravar em breve. O presidente eleito, Jair Bolsonaro, tem defendido que
as populações indígenas tenham o direito de explorar as suas terras. Ele também já sugeriu que índios
possam receber royalties sobre a extração de minérios nas reservas.
Neste domingo (8), após muita polêmica e indefinição, Bolsonaro anunciou o futuro ministro
do Meio Ambiente que terá que enfrentar o problema: Ricardo Salles. Ex-secretário de Meio Ambiente de
São Paulo na gestão de Geraldo Alckmin (PSDB), se notabilizou por críticas ao MST.
“O objetivo do mapa é mostrar a abrangência transnacional do garimpo ilegal na Amazônia, em
geral praticado por grupos à margem da lei e que gera prejuízos à floresta, aos rios, aos índios e às
populações tradicionais”, explica Alicia Rolla, geógrafa do ISA (Instituto Socioambiental), que coordena a
Raisg.
Além de Venezuela, com 1.899 garimpos ilegais, e Brasil, com 453, o mapa aponta 134 no Peru,
e 68 no Equador.
Para chegar ao resultado, os pesquisadores agregaram conhecimentos de diversas fontes,
como estudos técnicos, informações de parceiros locais, notícias da imprensa de cada país e análises de
imagens de satélites. “Trabalhamos por cerca de um ano e meio no projeto”, diz a geógrafa.
O mapa mostra 2.312 pontos e 245 áreas de garimpo ou extração de minerais como ouro e
diamantes. “Conceitualmente, ‘pontos’ e ‘áreas’ são a mesma coisa, mas as ‘áreas’ são aqueles garimpos
cuja extensão determinamos por meio de sensoriamento remoto”.
Além disso, foram mapeados 30 rios afetados pela atividade extrativista ou pela entrada de
máquinas, insumos e saída de minerais. Na Colômbia e na Bolívia, as unidades de análise foram os rios,
razão pela qual não aparecem quantificados como pontos.
Segundo Roberto Cabral, coordenador de operações de fiscalização do Ibama, o garimpo ilegal
provoca a “destruição da cobertura vegetal da floresta. Na Amazônia, a maioria dos garimpos segue o
curso d’água, assim, a exploração derruba os barrancos, muda o curso de rios e arrasa igarapés. Além
disso, o mercúrio utilizado na atividade se propaga pelo rio”.
Para Alicia Rolla, o mapa permitirá que os órgãos ambientais delineiem estratégias de
intervenção mais articuladas, “pois ele possibilita ver toda uma região, e não apenas garimpos isolados”.
Ela também cita a possibilidade de incrementar a cooperação internacional no combate a esse
crime. Dá como exemplo a extração mineral realizada nas terras ianomâmi no Brasil e na Venezuela.
“Quando ocorre uma ação fiscalizadora no lado brasileiro, os garimpeiros fogem para o lado
venezuelano e voltam depois. Esse mapeamento pode servir de base para orientar uma necessária
articulação internacional para coibir a mineração ilegal”.
“Trata-se de uma atividade não só ilegal como impossível de ser legalizada”, diz Cabral, sobre
os garimpos em terras indígenas e áreas de conservação.

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Além de liderar o ranking, a Venezuela também é o local onde a mineração produz mais tensão
social. A criação em 2016 do chamado Arco Mineiro do Orinoco, localizado na bacia desse rio, deflagrou
conflitos armados na região. Estima-se que mais de cem pessoas morreram em confrontos desde 2016.
“Trata-se de uma área imensa, que ocupa 12% da Amazônia venezuelana”, diz Gustavo
Faleiros, coordenador do InfoAmazônia, que produziu, em parceria com a Raisg, um “storymap”, forma de
apresentação que expõe dados do mapa de maneira interativa.
“O governo mapeou as zonas de existência de minérios para fazer concessões e parcerias com
a iniciativa privada. Só que já existiam mineiros ilegais nessa área e, a partir do decreto de criação [do Arco
Mineiro], o exército foi enviado para retomar algumas delas”, diz.
A investida do governo venezuelano sobre a área é vista como uma tentativa, após a queda de
preço do petróleo, de arrecadar recursos com a exploração do ouro, cujo valor de mercado aumentou
muito na última década.
No Brasil, a valorização do metal, de 149% desde 2010, com o grama valendo na última sexta
R$ 155,23— é apontada como uma das razões para o recrudescimento do garimpo ilegal na Amazônia
nacional, cujo polo minerador localiza-se na região do rio Tapajós.
Ali, a exploração data do final da década de 1950, diz Maurício Torres, da Universidade Federal
do Pará.
Inicialmente todo o trabalho era feito de forma artesanal e manual. Segundo Torres, uma
peculiaridade da região permitiu que, de início, as mineradoras não se sobrepujassem aos garimpeiros.
“O ouro ali está distribuído numa área imensa. Assim, se uma mineradora controlasse um
ponto, o garimpeiro só precisava ir para o terreno ao lado. Isso, em certa medida, deu ao garimpo uma
situação democrática e nacional”.
Com o escasseamento do ouro superficial, explorado pelos primeiros garimpeiros, a região do
Tapajós viu a chegada das mangueiras bico-jato. Nessa técnica, água pressurizada é utilizada para o
desmonte de barrancos. A lama resultante é então filtrada para a extração do metal. A prática produz
grandes crateras.
“Isso já tornou possível algum controle do acesso ao ouro pelos donos de garimpo”, pelos
gastos para comprar a máquina e combustível.
A partir de 2008, diz Torres, a situação muda drasticamente com a chegada de
retroescavadeiras hidráulicas (PCs) e de dragas escariantes, com um poder de destruição ambiental
avassalador.
“A grande transformação da região ocorreu com a chegada das PCs. Elas geram um impacto
ambiental insano. Eu arriscaria dizer que a alteração da cobertura florestal foi maior nos últimos 10 anos
do que nos 50 anteriores. ”
Isso também produziu uma concentração econômica e de controle dos garimpos inéditas. Uma
PC custa aproximadamente R$ 500 mil.
Nesse contexto, diz Torres, é muito importante diferenciar o garimpeiro do dono do garimpo.
“O garimpeiro, em geral, é um peão, um trabalhador rural, um ribeirinho, é alguém que luta para
sobreviver. O bandido é o dono do garimpo. No entanto, persiste a ideia de que o garimpeiro é o demônio.
Quase todas as ações só atacam a ponta da cadeia, investem contra o garimpo. Isso não funciona. ”
A chegada das PCs no Tapajós se deu com o aumento da cotação do preço do ouro. “A partir
dos anos 1990, com abertura da antiga União Soviética, injetou-se muito ouro no mercado e o preço caiu.
Desde a crise econômica de 2008, o ouro se fortaleceu de novo. A partir daí a relação do preço do ouro
com o preço do diesel passou a compensar. ”
Fonte: Folha de S. Paulo
Autor: Fernando Tadeu Moraes
Data: 10/11/2018

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