ÁREAS DE RISCO: CONVIVER OU ELIMINAR?
Diferentemente dos países com vulcanismo ativo, terremotos, furacões, tempestades
tropicais cíclicas e outros poderosos agentes da Natureza, no Brasil as áreas de risco
estão inequivocamente associadas a erros humanos na ocupação de terrenos geológica,
geotécnica ou hidrologicamente mais sensíveis e instáveis. Ou seja, ao invés de uma
inexorável opção de convivência com os riscos, própria daqueles países, é-nos possível
no caso brasileiro adotar virtuosamente uma estratégia de eliminação do risco, para o
que a única condição a ser atendida é possuir a vontade para tanto.
No caso de deslizamentos são ocupados terrenos de alta declividade que, por sua
enorme suscetibilidade natural a esse tipo de fenômeno, não poderiam de forma alguma
ser ocupados. Ou são ocupados terrenos de média declividade, perfeitamente passíveis
de receber uma ocupação urbana, mas com o uso de técnicas construtivas e arranjos
urbanísticos a eles tão inadequados que, mesmo nessa condição mais favorável, são
transformados em um verdadeiro canteiro de áreas de risco.
Destaque-se que nessas duas condições, como também no caso de margens de córregos
sujeitas a solapamentos e áreas baixas sujeitas à inundação, a criação de áreas de risco
está intimamente associada à busca de terrenos mais baratos por parte da população de
baixa renda, que somente dessa forma consegue ter uma moradia em custos que caibam
dentro de seu parco orçamento familiar. Ou seja, há um inequívoco e determinante fator
social na configuração do drama das áreas de risco no país.
Dentro de uma correta estratégia de eliminar o risco impõe-se a adoção de medidas de
caráter estrutural, que podem assim ser elencadas:
criterioso planejamento do crescimento urbano, via aplicação de uma Carta
Geotécnica, tornando terminantemente vedada a ocupação de terrenos em
condições de muito alto e alto risco natural;
adoção de planos urbanísticos e técnicas construtivas corretas e adequadas na
ocupação de terrenos de médio e baixo riscos;
implementação de programas de habitação popular que atendam a demanda da
população de baixa renda por casa própria, reduzindo assim a pressão pela
ocupação de terrenos impróprios à urbanização;
desocupação de áreas de alto e muito alto risco já ocupadas, com realocação dos
moradores para novas habitações dignas e seguras;
consolidação urbanística e geotécnica de áreas de médio e baixo riscos já
ocupadas;
como medida de caráter emergencial adotar, com participação e treinamento das
populações envolvidas, Planos Contingenciais de Defesa Civil, dos quais fazem
parte os sistemas de alerta pluviométricos.
Importante registrar que do ponto de vista técnico todos os instrumentos necessários à
implementação dessa correta estratégia já foram produzidos e disponibilizados pelo meio
técnico nacional às autoridades envolvidas.
Desgraçadamente, por motivos vários, e que incluem um enorme descaso com o ser
humano, essas medidas estruturais destinadas à eliminação dos riscos não tem recebido a
devida atenção dos três níveis de governo, o federal, o estadual e o municipal.
É nesse cenário que se apresenta como um expediente oportunista de extrema crueldade
humana a decisão de adotar sistemas de alerta pluviométrico em caráter permanente e
como única medida efetiva de gestão de riscos. Seria muito interessante ver como as
autoridades públicas responsáveis por esse crime de omissão reagiriam fossem
moradores em áreas de risco e vendo-se submetidas à brutalidade de, ao som de uma
estridente sirene, ou de um torpedo no celular, sob chuva torrencial deixar suas casas às
3 horas da manhã carregando morro abaixo seus idosos, suas crianças, seus doentes e
seus parentes com necessidades especiais, para fugir da possibilidade de serem tragados
pelo barro e pelas pedras de um deslizamento.
Geól. Álvaro Rodrigues dos Santos (santosalvaro@uol.com.br)
Ex-Diretor de Planejamento e Gestão do IPT – Instituto de Pesquisas Tecnológicas
Autor dos livros “Geologia de Engenharia: Conceitos, Método e Prática”, “A Grande Barreira da Serra do Mar”,
“Diálogos Geológicos”, “Cubatão”, “Enchentes e Deslizamentos: Causas e Soluções”, “Manual Básico para
elaboração e uso da Carta Geotécnica”, “Cidades e Geologia”
Consultor em Geologia de Engenharia, Geotecnia e Meio Ambiente