Debate de direitos minerários voltará à agenda

Debate de direitos minerários voltará à agenda

Uma vez resolvida a intrincada sucessão para presidente da Vale – a maior mineradora brasileira e uma das maiores mundiais -, uma outra discussão envolvendo as grandes empresas do setor mineral deve voltar a ganhar força: as regras que regem os direitos minerários no país. Os direitos minerários são licenças que as empresas recebem do governo, via Agência Nacional de Mineração (ANM), para prospectar, explorar e produzir minérios, que, por estarem sob o solo, são um bem da União. As mineradoras são uma espécie de concessionárias desses direitos.

O tema dos direitos minerários tem sido levantado publicamente pelo governo desde 2023. O presidente da República, Luiz Inácio Lula da Silva, já acusou as mineradoras de “sentarem em cima” dos direitos minerários e não fazerem os devidos investimentos em pesquisa e exploração. A mensagem foi referendada em várias ocasiões, em 2023 e no primeiro semestre de 2024 pelo ministro de Minas e Energia, Alexandre Silveira, que disse ser “irresponsável”, por parte das grandes mineradoras, não aproveitar de forma adequada os bens sobre os quais têm direitos.

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Com os ruídos surgidos na sucessão da Vale e outras prioridades no MME, como a revisão de regras para o setor elétrico, o debate sobre os direitos minerários arrefeceu, mas há expectativa que volte à tona, segundo fontes próximas do Planalto. No setor privado, também se prevê que o tema possa entrar na agenda como um potencial debate para os próximos meses.

Levantamento feito pelo Valor no Sigmine, sistema público da ANM, mostra que, embora as grandes mineradoras tenham as maiores áreas em extensão territorial, essas companhias representam uma fração pequena do total de títulos minerários concedidos.

A Nexa (ex-Votorantim Metais), por exemplo, é individualmente a empresa com maior número de concessões minerais e maior área geográfica para mineração no país. Mas quando se olha o caso da empresa em relação ao todo do setor mineral a participação é pequena.

A Nexa possui 2,97% da área total concedida (em vários tipos de licenças), somando 6,093 milhões de hectares de um total de 205,1 milhões de hectares concedidos pela ANM, segundo o levantamento feito por este jornal. Os dados apurados no Sigmine mostram que as dez empresas com maior volume de títulos homologados – que garantem os direitos minerários – no site da autarquia somam 15,08% da área total concedida.

Fontes do setor afirmam que a concentração de direitos minerários apregoada pelo governo não se evidencia. Segundo essas fontes, há uma pulverização entre empresas de diferentes portes e diferentes tipos de minérios explorados. A questão, dizem as fontes, passa pelo fortalecimento da ANM, o que poderia tornar mais eficiente a aprovação de licenças e incrementar o ritmo da produção mineral (ler mais na reportagem abaixo).

Para a União, o crescimento do setor teria a consequência de aumentar a arrecadação em momento em que a condução da economia do país sofre com a desconfiança sobre a capacidade do governo de cumprir as metas fiscais, o que afeta negativamente as expectativas dos agentes do mercado. No ano passado, o setor mineral faturou R$ 248,2 bilhões, segundo dados do Instituto Brasileiro de Mineração (Ibram). O pagamento de impostos pelas mineradoras somou R$ 85,28 bilhões, sendo R$ 6,84 bilhões relativos à Compensação Financeira pela Exploração Mineral (CFEM), equivalente ao royalty da mineração.

Especialistas ouvidos pelo Valor afirmam que a falta de recursos financeiros e humanos da ANM causam atrasos na análise da tramitação dos processos. A legislação prevê o avanço de fase, que consiste na evolução dos pedidos à medida que as pesquisas são feitas. A empresa começa com o requerimento de pesquisa e avança até a concessão de lavra caso haja sucesso exploratório.

Os alvarás de pesquisa possuem prazos de até três anos, podendo ser prorrogados por igual período por solicitação do interessado, que precisa demonstrar o andamento dos trabalhos realizados no período inicial. Segundo a ANM, esse prazo máximo será ampliado para quatro anos em breve, uma vez que a agência está trabalhando na regulamentação da nova redação da legislação. Uma vez autorizada a lavra, o titular da concessão tem que iniciar os trabalhos previstos no plano de aproveitamento econômico em seis meses, contado da data de publicação da concessão no Diário Oficial da União.

Um interlocutor diz que há na legislação vigente prazos para as diferentes etapas de autorização ou concessão de uma área minerária. “O que tem é uma expectativa, que a ANM seja mais eficiente, e as empresas passem a cumprir os prazos”, diz. E acrescenta que nas regras atuais há previsão inclusive para a caducidade de títulos: “Tem que demonstrar para a ANM que você está tentando, está seguindo o plano que foi apresentado.” O especialista pondera que uma ferramenta que o governo tem para pressionar as empresas e cassar títulos é reduzir os prazos previstos, com exigências que não serão atendidas. “Se ele [o governo] fizer uma exigência para tudo ao mesmo tempo agora, ninguém consegue atender. Então uma maneira de forçar a caducidade é fazer exigências que não se consegue atender.”

O Ibram ressalta que a atividade mineral é caracterizada pelo elevado grau de risco, com taxa de sucesso média entre a pesquisa mineral e efetividade da implantação de um projeto mineral de 1 para 1.000. E acrescenta que o ciclo de investimentos em projetos do setor é de, no mínimo, dez anos. O presidente do Ibram, Raul Jungmann, critica o acesso limitado a linhas de financiamento adequadas para o desenvolvimento de projetos de mineração no Brasil: “Neste contexto, qualquer que seja a análise sobre o tema dos títulos minerários tem que considerar obrigatoriamente os três pontos: taxa de sucesso, ciclo de implementação de projetos e mecanismos de financiamento”, diz Jungmann.

O dirigente também rebate as críticas feitas pelo presidente Lula de que empresas “sentam em cima” das áreas concedidas e afirma que o Código Mineral brasileiro contém “instrumentos claros” que bastariam ser aplicados para evitar qualquer tipo de uso indevido dos títulos minerários, como o eventual uso especulativo.

O Valor tentou ouvir o Ministério de Minas e Energia sobre a discussão dos direitos minerários. Mas nem o ministro Alexandre Silveira nem o secretário de geologia, mineração e transformação digital do MME, Vitor Saback, procurados via assessoria do ministro, responderam aos questionamentos.Estudos do Ibram apontam que há “discrepâncias” na base de dados da ANM. Jungmann cita que não há diferenciação de títulos minerários que aguardam oferta pública; aqueles que estão em fase de disponibilidade; que permanecem com pendências no julgamento do edital de disponibilidade e que estão livres para novos requerimentos. “A simples aplicação desses filtros faria reduzir o número de títulos hoje onerados em 45%”, diz.

Apesar da baixa concentração de direitos minerários no país, Jungmann diz que é natural que as grandes empresas tenham os maiores percentuais de áreas, uma vez que são as que mais têm recursos para investimentos em pesquisa e para execução de projetos.

As principais empresas do setor no país afirmam que cumprem os prazos e regras da legislação. A Nexa ressalta que o sistema Sigmine, da ANM, possui “caráter informativo” e contempla em sua base, inclusive, os 1.786 direitos já renunciados pela companhia ao longo dos últimos anos. “Sua atualização ocorre a partir de oferta pública [edital de disponibilidade], quando esses direitos renunciados passam a outro titular ou são excluídos do sistema”, diz a Nexa.

A mineradora diz ainda que no ano passado aportou US$ 23 milhões em atividades de pesquisa mineral no país. A companhia afirma que mantém “estratégia sólida de otimização de portfólio”, com expansão de ativos, e cita o exemplo de Aripuanã, maior empreendimento mineral do Mato Grosso, com investimentos de US$ 632 milhões e que gera 1,5 mil postos de trabalho diretos. Aripuanã consiste em três áreas que produzem zinco, chumbo, cobre, prata e ouro.

A mineradora também afirma que é a empresa que mais investe em pesquisa mineral no país. Em dez anos, diz, investiu mais de R$ 1 bilhão em pesquisa mineral em Carajás, no Pará, sem considerar projetos de minério de ferro. Em Minas Gerais, os investimentos em pesquisa mineral de minério de ferro ultrapassam R$ 250 milhões ao ano. “Como resultado destes investimentos, a Vale possui ativos minerais de excelente qualidade que fazem da empresa a maior produtora mineral do país, arrecadando maior volume de CFEM [royalty] do que todos os outros ‘players’ de mineração somados.” Em 2023, a arrecadação de CFEM no Brasil foi de R$ 6,9 bilhões, sendo R$ 3,9 bilhões pagos pela Vale.

Fonte: Valor Econômico/ADIMB

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