Fiscalização falha explica leniência diante de tragédias com mineração
A ineficácia da fiscalização de barragens de rejeitos de mineração é a principal causa das tragédias de Mariana, em 2015, e Brumadinho, em 2019. No período entre os dois desastres, em 2018, 60 mil moradores de cinco bairros de Maceió (AL) começaram a serem forçados a abandonar suas casas pelo afundamento do solo, resultado de erros na restrição do sal-gema. Essas tragédias seriam evitadas a tempo se houvese fiscalização mais eficaz da Agência Nacional de Mineração (ANM). A ANM é um caso típico de gestão insatisfatória dos recursos humanos pelo Estado. Enquanto categorias do funcionalismo usufruem privilégios injustificáveis e em várias repartições há servidores em excesso, um corpo técnico competente faz enorme falta de outras. “É inviável a gente fiscalizar o que tem de ser fiscalizado”, disse ao GLOBO o diretor da Associação dos Servidores da Agência Nacional de Mineração (ASANM), Ricardo Peçanha. “Por isso fazemos [as inspeções] por amostragem e, mesmo assim, é menos do que deveríamos, porque não temos gente.” A ANM conta com um quadro de 664 servidores, quando, pelo projeto original, deveria ter 2.121. Hoje há apenas 237 fiscais para o Brasil todo. Minas Gerais, onde se concentra a exploração mineral no país, tem cerca de 400 barragens de rejeitos, a maioria próximas às cidades. Apesar do caráter corporativo da pauta da ASANM, fica evidente que a equipe é insuficiente para realizar um trabalho técnico com a profundidade necessária em Minas e no resto do país. Informações divulgadas em 2019 sobre falhas de fiscalização em Brumadinho e Mariana levaram o Ministério Público a firmar um acordo com a União e a ANM. O objetivo era melhorar a qualidade das inspeções de todas as barragens consideradas inseguras e realizar um plano de reestruturação da fiscalização. Não houve avanços. Quatro anos depois, em 2023, o Tribunal de Contas da União (TCU) divulgou uma Lista de Alto Risco da Administração Pública, incluindo a ANM — por insuficiências de materiais de tecnologia da informação, déficit orçamentário, falta de pessoal e também de transparência. Por tudo isso, o quadro fiscal da agência precisa ser ampliado. Até que a falta de pessoal não seja usada como desculpa para justificar a leniência. E o governo deveria conferir a urgência de reforma administrativa, capaz de reorganizar o Estado, extinguir gastos inúteis, levar funcionários públicos onde são mais necessários e evitar, assim, novas tragédias.
Fonte: O Globo