Forte, mas não o maior

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Forte, mas não o maior

Por Amazônia Real  Publicado em: 29/01/2024 às 08:00

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Alberto Veloso, especial para a Amazônia Real

O terremoto com epicentro no Amazonas, próximo da divisa com o Acre em 20 de janeiro último foi realmente forte (M=6.6), mas não o maior acontecido no Brasil, como noticiado pela mídia e possibilitando interpretações e comentários muitas vezes infundados e incorretos. Este artigo apresenta 4 eventos com magnitudes superiores a 6.6.

Porém, o fato traz oportunidade para esclarecer o que sabemos sobre a sismicidade do Brasil, que já havia chamado a atenção até do imperador Dom Pedro II, quando sentiu um tremor ao encontrar-se em Petrópolis.

Depois disso, em menor ou maior grau, nunca se deixou de estudar os sismos brasileiros.

Um deles, ocorrido em 1986 na cidade de João Câmara (RN), danificou mais de 4 mil construções, e desabrigou 26 mil pessoas, porque a terra não parava de tremer. Tal fenômeno, chamado enxame sísmico tem vários exemplos no Nordeste brasileiro.

Para estudar os terremotos é preciso registrá-los com instrumentos adequados e o Brasil instalou um deles, em 1899, no antigo Observatório Imperial no Rio de Janeiro. Por ser dispendiosa, sua operação foi curta, mas talvez tenha representado o primeiro instrumento do gênero em toda a América Latina. Hoje, o Brasil possui uma rede sismográfica moderna com instrumentos por todo o país e parte deles registrou perfeitamente o sismo do Amazonas do dia 20. Esta rede produz dados de alta qualidade possibilitando pesquisas diversas, como a de esclarecer a origem dos sismos brasileiros,

ou definir estruturas geológicas a dezenas/centenas de quilômetros abaixo da superfície, um estudo sofisticado e equivalente a tomografia médica do corpo humano.

Nosso país tem muitas barragens e delas vem exemplos da chamada sismicidade induzida por reservatórios (SIR). Dependendo das condições geológicas pré-existentes, um reservatório pode induzir o aparecimento de sismos locais. No geral, são eventos de magnitudes modestas e no Brasil são conhecidos mais de 20 casos de SIR, incluindo em Balbina (no Amazonas) e Tucuruí (no Pará), porém nenhum danificou estruturas civis.

No mapa brasileiro de epicentros há tremores por todos os estados com diferentes magnitudes, concentrações de sismos em áreas do NE, CO e SE e sismicidade marinha ao longo da costa Sul-Sudeste.

Em 22 de janeiro de 2022 foi relembrado com artigos, vídeos e entrevistas o centenário do tremor de terra (M=5.1) que em plena madrugada estremeceu a capital paulista, levando milhares de moradores às ruas. Naquele mapa de epicentros também existem sismos históricos, aqueles ocorridos antes da operação dos sismógrafos. Eles são conhecidos após diligentes pesquisas em documentos antigos relatando tremores de terra, muitas vezes com abundantes informações confiáveis.

É justamente dessa fonte que surgiram os dados para elaborar estudos e definir dois grandes terremotos históricos: junho de 1690, próximo de Manaus, capital do Amazonas, que estava recém-fundada e 14 de agosto de 1885, na fronteira Amapá-Guiana, com magnitudes estimadas 7.0 e 6.9, respectivamente.

O primeiro assustou indígenas e missionários, deformou o terreno possivelmente por liquefação e pode ter ocasionado um pequeno tsunami- fluvial. O segundo foi percebido desde o epicentro até proximidades de Manaus, ou praticamente em todas as localidades ao longo do rio Amazonas. Ambos os estudos foram publicados em revistas cientificas do Brasil e do exterior.

O descrito mostra a variedade dos terremotos brasileiros: sismos pequenos, não percebidos pelas pessoas, mas registrados semanalmente por sismógrafos. Tremores moderados, magnitudes por volta de 5, que acontecem a cada 50 anos e eventualmente produzem estragos. Os de magnitudes da ordem de 6, com ocorrência secular. Os dois maiores em 1955, tiveram epicentros em zona desabitada do Mato Grosso (M=6.2) e no mar (M=6.1), 350km de Vitória, ES.

Neste cenário há que destacar os sismos fortes e profundos do Acre e do Amazonas, com origem bem distinta dos moderados e rasos tremores que acontecem pelo resto do Brasil.

Esta singular sismicidade no extremo NW do Brasil resulta do mergulho da densa placa oceânica de Nazca, abaixo da placa Sul-Americana. Tal processo não transcorre de modo suave, mas aos solavancos, pois esta ação compressiva deforma enorme volume de rochas, que após dezenas ou centenas de anos suportando descomunal esforço acaba quebrando e gerando terremotos. Dentre os sismos resultantes desse mecanismo estão os de Tarauacá de 1963 e o de 1967, com magnitudes 7.6 e 7.0, respectivamente.

A peculiaridade de tudo isto é que o mergulho da placa de Nazca, com ângulo em torno de 45 , acaba beneficiando o Acre e o Amazonas, pois apenas aos cerca de 600km de profundidade, é que estarão na superfície do terreno as correspondentes porções dos territórios acreano e amazonense. Se o mergulho daquela placa fosse de 25 , por exemplo, os tremores seriam bem mais rasos e a história sísmica desta região brasileira possivelmente vivenciaria acontecimentos ruins.

Em resumo, mostramos quatro terremotos com magnitudes acima de 6.6, que é a do evento de 20 de janeiro de 2024. Sob o atual contexto sismo-tectônico, que continuará existindo pelos milhares de anos à frente, fica o alerta de que o Acre e o oeste do Amazonas continuarão sendo visitados por terremotos do padrão do acontecido agora e daqueles do passado.

Alberto Veloso é professor aposentado é o criador do Observatório Sismológico da Universidade de Brasília (UnB). Ele é autor da conta Terremoto Veloso, no youtube, e do livro “Magnitude 6.7”.

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