NO TEMPO DOS BOTOCUDOS

NO TEMPO DOS BOTOCUDOS

Ribamar Constâncio

A atividade de mineração no Brasil, como todos sabem, remonta ao tempo colonial. No que atualmente é o Estado de Goiás, as marcas deixadas pelos bandeirantes ainda podem ser vistas em antigas escavações e restos de rejeitos em vários pontos de seu território. Não há como não reconhecer o papel que aqueles intrépidos personagens tiveram no desbravamento dos sertões, nem como ignorar as imensas dificuldades com que se depararam. Registre-se, entretanto, que em sua época o que se buscava era ouro de aluvião através de garimpagem ou em depósitos aflorantes, de fácil extração. Conhecimentos geológicos propriamente ditos e descobertas de depósitos em subsuperfície só vieram séculos depois, com muito estudo, dedicação e sacrifícios. Admiro muito os bandeirantes do século XVII, mas quero me referir aqui aos bandeirantes dos tempos atuais.

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Até meados da década de 1960, o conhecimento do subsolo brasileiro era praticamente zero. Por essa época órgãos públicos e empresas privadas lançaram-se ao enorme desafio – quase uma epopéia – de conhecer e avaliar o potencial mineral do enorme País, em bases teóricas e de forma sistematizada. É, então,  que aparecem os novos bandeirantes. O Brasil da década de 1960 ainda era muito litorâneo. No interior, umas poucas cidades isoladas, e, nos sertões profundos, muitos bolsões nunca antes habitados. Acessar esses lugares era uma aventura. Estradas não havia, senão caminhos e trilhas de onças. Rios, havia e muitos, mas tinham de ser atravessados em balsas improvisadas ou a nado. Dormia-se em redes, barracas e camas de campanha. Refeições decentes e um mínimo de conforto, nem pensar. Equipamentos para trabalhos de campo, era quase uma calamidade, limitavam-se, essencialmente, à bússola e ao martelo. Mapas, quando existiam, eram deficientes e imprecisos. Só faltava ter-se que se orientar pelo astrolábio e pela estrela polar, como no tempo de Cabral. A situação, de fato, era de carência total, mas a mazela maior respondia pelo nome de doenças tropicais conhecidas e desconhecidas. Para citar apenas o atual Estado de Goiás, nos vales dos rios Bagagem, Maranhão e Paranã, malária e outras febres terçãs eram endêmicas. Apenas um exemplo: o núcleo urbana original da cidade de Nova Roma, na margem do rio Paranã, teve que se mudar para local mais afastado por problema de insalubridade.

No Centro Oeste do País, e, especialmente na Amazônia, muitos geólogos se foram precocemente, vítimas de moléstias nunca identificadas. Muitos outros, carregam no corpo e no sangue até hoje, marcas indeléveis de leishmaniose e outras feridas.

Conheço alguns geólogos que começaram na profissão nessa época pioneira e até o presente continuam na ativa. O fato é que, de norte a sul do Brasil, de Pilar de Goiás, antiga Papuã, ao interior de Rondônia, antigo Guaporé, poucos lugares existem em que algum geólogo no tenha deixado a marca da sola de suas botas. No decorrer desse tempo, o Brasil passou de ilustre desconhecido, de País do Futuro a protagonista no mundo mineral, ombreando-se a outras potências como África do Sul, Canadá e Austrália. Certamente ainda há muito a fazer, mas com certeza há, também, o que comemorar. O Brasil não está mais deitado em solo esplêndido e quando o gigante acordar de vez, o mundo vai tremer.

Aos geólogos que enfrentaram com denodo e determinação um Mato Grosso, Rondônia e uma Amazônia enigmática e de perigos exponenciais; aos que estudaram e evoluíram na absorção de novos conhecimentos e novas técnicas; aos que enfrentaram doenças exóticas, mosquitos, abelhas, marimbondos e carrapatos; aos que sofreram acidentes de aeronaves, barcos, canoas e pirogas; aos que inúmeras vezes caíram, levantaram, sacudiram a poeira e seguiram em frente; e, especialmente, aos que mesmo depois de 50 anos ainda mostram um brilho no olhar quando o assunto é geologia; a todos esses, proclamo meu respeito, minhas reverências e minha eterna admiração.

P.S- Dedico este texto a Paulo Afonso Ribeiro Barbosa, geólogo.

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