Uma Solução Inusitada
Por Vanderlei Antônio de Araújo
Na Serra da Ave Maria, no município de Cavalcante, não havia outra
maneira de executar nosso trabalho de campo do Projeto Canabrava, a
não ser acampando. Só conseguimos chegar lá a cavalo e depois de dois
dias. Num lugar escolhido, começamos a montar as barracas, e em poucas
horas o acampamento estava pronto. Para servir de cozinha erguemos um
galpão com suportes de madeira e o cobrimos com uma lona. O Chico era
o dono da lona.
Durante a noite do primeiro dia, choveu muito. Em cima da lona
acumulou muita água, formando uma verdadeira caixa d’água que deveria
ser esvaziada antes que mais chuvas a fizesse despencar. O dia
amanheceu sem chuva. Aproveitamos a manhã ensolarada para sairmos ao
campo, deixando o esvaziamento da lona para a volta. Era tarefa para
depois.
À tarde, na volta, choveu muito. Depois do aguaceiro, uma parte do céu
continuou nublada, e uma chuva fina persistente continuou, enquanto o
sol fraquinho ia entregando os pontos para a noite. Com a chuva, o
volume de água da lona aumentou de tal forma, que não podíamos sequer,
pensar em adiar seu esvaziamento sob o risco de desabamento. Alguma
coisa teria que ser feita.
O sol desapareceu, a noite chegou, e a chuva aumentou de intensidade.
Ficamos preocupados. O Chico principalmente. A lona parecia pedir
socorro. O Chico não conseguiria dormir com aquela água estufando sua
lona. Ela o acompanhara por vários anos e muitos acampamentos no Mato
Grosso. Uma lona daquela custava caro. Representava algo que não sei
dar o nome, mas que de certo modo ele tinha o maior ciúme dela.
Diz um ditado que quando você quer fazer bem feito, faça você mesmo.
Todavia o Chico pensou diferente. Sentamos a mesa para jantar.
Estávamos de frente para a lona estufada que parecia não resistir mais
o peso da água. Acabamos de jantar, e quando o pessoal já se dirigia
para suas barracas, Chico ergueu-se da cadeira, afastou-se um pouco e
chamou o peão, que além de servir de guia, fazia de tudo, era o pau
para toda obra:
– Você pode tirar a água da lona?
– Claro doutor – disse o peão cheio de boa vontade.
Respondeu orgulhoso e convicto de que tinha competência para resolver
aquele problema. Era um trabalho chato àquela hora da noite. Mas não
negaria um favor ao chefe. Não havia razão para negar. Começou o
trabalho fazendo uma avaliação preliminar da situação. Parou embaixo
da lona e com o olhar de quem entende das coisas, falou bem
calmamente:
– Vou resolver isto agora mesmo!
E, imediatamente, tirou uma faca da cintura e a enfiou na lona,
furando-a e livrando-a da água. Foi tão inesperado que não deu tempo a
ninguém evitar a tragédia. Chico ao ver sua lona furada gritou
furioso:
– Rapaz onde já se viu tirar água de uma lona, furando-a, você está maluco.
O peão respondeu envergonhado e todo molhado:
-Eu pensei que assim fosse mais fácil, doutor!