Autor: Vanderlei Antônio de Araújo
Muitas empresas fazem anualmente um exame médico para verificar o
estado de saúde de seus empregados. A empresa onde eu trabalhava
também. Eu detestava aquelas consultas porque minha pressão subia na
hora. O médico colocava o aparelho no meu braço e ela disparava. Dizem
que isto se chama síndrome do jaleco branco. Além da consulta, havia
também exames clínicos de sangue, urina, fezes e radiografia do
pulmão.
Certa vez, o médico da empresa ao me examinar notou que minha garganta
estava irritada e ao escutar meu pulmão notou que havia um problema.
Perguntou se eu sentia alguma coisa na faringe. Eu disse que além de
uma tossezinha seca, insistente, havia também uma coceira na garganta.
Eu já conhecia o medico, ele já me examinara outras vezes. Era um
medico competente. Sugeriu que eu fizesse uma radiografia e voltasse.
Quando retornei, olhou a radiografia e sugeriu que eu procurasse um
especialista e me indicou um. Fiquei preocupado por ter que procurar
outro médico. Sentia-me incomodado só em pensar em outra consulta. Não
havia escolha. Ele receitou um remédio para tosse, e enquanto
escrevia a receita, repetia o nome do especialista. Você vai
consultá-lo e diga que fui eu quem o recomendou.
Depois de muita relutância marquei uma consulta com o pneumatologista
indicado. Cinco dias depois, fui ao consultório do doutor. Como já
disse, uma tremenda sensação de desconforto me acompanhava toda vez
que entro num consultório médico. E aumenta à medida que o tempo vai
passando. Mas como um bom paciente sempre aguentei firme.
Levei três horas para ser atendido, pareceu um século. Ao ser
interrogado, falei da suspeita do médico da empresa e lhe mostrei a
radiografia. Vamos ver disse ele escutando minhas costas, mandando que
eu respirasse fundo. A radiografia não apresentou nada grave, disse
ele.
– Está bem doutor, admito que não tenha nada grave, e a coceira na
garganta que às vezes me faz tossir.
Depois de examinar minha garganta, durante uns dois minutos, ele disse
que tinha uma irritação, mas era coisa à toa. Enquanto falava, ele me
olhou firmemente e disse:
– O senhor precisa parar de fumar, o que o senhor tem é nada mais nada
menos que as consequências do cigarro.
Espantaram-me aquelas palavras secas do médico ao falar do cigarro.
Alarmado, respondi:
– Eu não fumo doutor, nunca fumei na minha vida.
Ele retornando a conversa, retrucou sorrindo:
– Não exagere, não vou acreditar. Pare de fumar e se cuide para não
precisar voltar.
No dia seguinte, ao entrar na sala e encontrar meu colega envolto numa
nuvem azul de fumaça, que ele acabava de soprar, pairando sobre a
sala, e buscando o meu pulmão numa viagem sem volta, compreendi o que
medico quis dizer. Naquela época não era proibido fumar em recinto
fechado e ele fumava um cigarro atrás do outro. E eu recebendo,
passivamente, aquele veneno em minhas vias respiratórias, sem saber
que me tornava seu sócio no cigarro, compartilhando do mesmo vício,
sem ser fumante.